sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Belo Monte: o que pensa Marina Silva


O Ibama concedeu a licença prévia para a construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte. Trata-se de um projeto muito polêmico, localizado no rio Xingu, no Pará, próximo ao município de Altamira, numa região conhecida como Volta Grande do Xingu. O nome deve-se ao desenho do rio que, visto de cima, assemelha-se a uma “ferradura”.
Por meio de barragens, as águas do rio serão desviadas para um canal que unirá as pontas mais próximas dessa “ferradura”. Ao final desse canal, as águas passarão pelas turbinas antes de retornarem ao seu curso normal.
Como tudo na Amazônia, os números que envolvem a obra são gigantescos. A quantidade de terra e pedra que será retirada na escavação do canal – cerca de 210 milhões de m³ – é um pouco menor da que foi removida na construção do Canal do Panamá. E ainda nem se definiu qual a destinação desse material.
Pelo leito do rio Xingu passa uma vazão de 23.000 m³/s de água no período de cheia. Um volume correspondente a quatro vezes a vazão, também nos períodos de cheia, das Cataratas do Iguaçu.
Os impactos socioambientais também terão essa mesma ordem de grandeza. E ainda não foram concluídos. Só sobre a fauna, segundo dados coletados durante o Estudo de Impacto Ambiental, podemos ter uma idéia. Na área existem 440 espécies de aves (algumas ameaçadas de extinção, como a arara-azul), 259 espécies de mamíferos (40 de porte médio ou grande), 174 de répteis e 387 de peixes.
Apenas a eficiência energética da usina não será tão grande. Uma obra colossal que custará certamente mais de R$ 30 bilhões – se somados todos os gastos, como o custo e a extensão da linha de transmissão, por exemplo – terá uma capacidade instalada de gerar, em média, 4.428 MW, em razão do que poderá ser suportado pelo regime hídrico do rio, nesta configuração do projeto. E não os 11.223 MW que estão sendo equivocadamente anunciados.
A energia média efetiva entregue ao sistema de distribuição será de 39% da capacidade máxima de geração, enquanto a recomendação técnica indica que essa eficiência seja de pelo menos 55%.
Para que Belo Monte possa apresentar um grau de eficiência energética compatível com as recomendações técnicas, seria necessária a construção de outras três hidrelétricas na bacia do rio Xingu, que teriam a função de regularizar a vazão do rio. Por ora, a construção dessas usinas foi descartada pelo governo porque estão projetadas para o coração da bacia, onde 40% das terras pertencem aos indígenas.
No entanto, a insistência em manter o projeto nessa dimensão (apesar de haver alternativa de barragem com quase metade da capacidade instalada e perda de pouco mais de 15% na potência média gerada) provoca forte desconfiança, tanto dos analistas como das comunidades e dos movimentos sociais envolvidos, de que a desistência de construir as outras três hidrelétricas seja apenas temporária.
A população indígena – são mais de 28 etnias naquela região – ficará prensada entre as cabeceiras dos rios que formam a bacia, hoje em processo acelerado de exploração econômica e com alto nível de desmatamento acumulado. E a barragem, além de interromper o fluxo migratório de várias espécies, vai alterar as características de vazão do rio.
É incrível que um empreendimento com esse nível de interferência em ambientes sensíveis seja idealizado sem um planejamento adequado quanto ao uso e à ocupação do território.
A solução de problemas dessa dimensão não pode ser delegada exclusivamente a uma empresa com interesse específico na exploração do potencial hidrelétrico, com todas as limitações conhecidas do processo de licenciamento.
Com a obra, são esperadas mais de 100 mil pessoas na região. Não há como dar conta do adensamento populacional que será provocado no meio da floresta amazônica, sem um planejamento para essa ocupação e um melhor ordenamento do território. Isso só pode ser alcançado através da elaboração de um Plano de Desenvolvimento Sustentável na região de abrangência da obra.
Essa foi uma grande omissão nesse processo, mas não a única. Não temos como deixar de indagar se não há outros aproveitamentos hidrelétricos que seriam mais recomendados, sob o ponto de vista dos impactos ambientais ou da eficiência energética.
No entanto, não há projetos com estudo de viabilidade técnica e econômica prontos para serem submetidos ao licenciamento ambiental. Apesar de o diagnóstico ser conhecido desde 2003, apenas em meados do ano passado foram finalizadas as primeiras revisões de inventário de bacia hidrográfica, como a do Tapajós.
Com isso, projetos polêmicos e com grandes impactos têm que ser analisados em prazos muitas vezes incompatíveis com o grau de rigor que deveriam ter, numa clara demonstração de como, muitas vezes, os ativos ambientais são afetados pela falta de planejamento de outros setores de governo.
Porém, nada foi mais afetado do que nosso compromisso ético frente à responsabilidade com o futuro de povos e culturas. Não foram sequer feitos estudos sobre os impactos que os povos indígenas terão. Só para exemplificar, o que significará para eles ter a vazão reduzida significativamente num trecho de 100km em função do desvio das águas para o canal? O plano de condicionantes tampouco menciona a regularização de duas Terras Indígenas (Parakanã e Arara), já bastante ameaçadas.
Estas e outras comunidades indígenas manifestam inconformidade por não terem sido ouvidas adequadamente, segundo os preceitos da Resolução 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificada pelo Brasil, mas nunca implementada para valer.
O Brasil possui um importante potencial de geração de energia hidrelétrica a ser desenvolvido. Mas as dificuldades em retomar o planejamento do setor na velocidade que possibilite escolhas e uma análise segura por parte do setor ambiental, somada à indisposição em discutir uma proposta de desenvolvimento sustentável para as obras de infraestrutura localizadas na Amazônia, à percepção de que o governo não faz o suficiente para melhorar a eficiência energética do sistema (não só na geração) e para desenvolver as energias alternativas, acaba por produzir conflitos agudos e processos equivocados, que poderiam ser evitados.
Apesar dos discursos em contrário, ainda estamos operando no padrão antigo, que considera o meio ambiente como entrave ao desenvolvimento. Temos ainda um longo dever de casa a ser feito para ingressarmos definitivamente no século 21. Quem pensa que a história relatada no filme Avatar só pode ocorrer em outro planeta, engana-se: Pandora também pode ser aqui.

Marina Silva é professora de ensino médio, senadora (PV-AC) e ex-ministra do Meio Ambiente.

Publicado originalmente no Terra Magazine

6 comentários:

  1. Chega a ser triste constatar, que para os chiitas do PV (médicos, engenheiros, advogados) tudo o que a Sra. Marina Silva (Prof. de segundo grau)fala é a VERDADE ABSOLUTA. Agora eu é que digo tenha dó de mim, por favor tenham pelo menos o trabalho de pesquizar sobre esses assuntos, sob pena de começarem a se tornar ridículos e assistirem seus anseios políticos naufragarem ainda no porto.

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  2. Caro anônimo:
    Pelo jeito você não conhece Marina Silva. O que Marina Silva fala no mundo todo é quase uma verdade absoluta. Estamos colocando aqui no blog opiniões e a de Marina Silva é sem dúvida uma das mais importantes. Estamos procurando argumentos favoráveis a implantação de Belo Monte mas até agora não achamos nada! Quem sabe você não ajuda de maneira mais construtiva ao debate e indica algum artigo que fale a favor.

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  3. Prezado xiita do PV, vai aqui um comentário, que longe de ser VERDADE ABSOLUTA como você gosta, serve como reflexão:
    A licença prévia para a hidrelétrica de Belo Monte, no Rio Xingu, representa um passo à frente na polêmica questão "geração de energia versus preservação do ambiente". Como está totalmente descartada a hipótese de o país não investir na expansão do seu parque instalado, a opção às hidrelétricas seriam usinas térmicas, muitas das quais programadas para queimar óleo. Dificultar o licenciamento de hidrelétricas, como vinha acontecendo, é, antes de mais nada, um contrassenso, considerando-se os compromissos que o próprio país assumiu para reduzir emissões de gases apontados como causadores do efeito estufa. E, no caso do Brasil, diante do potencial hidráulico existente, trata-se também de uma irracionalidade econômica, pois a geração hidrelétrica é, além de mais limpa, a de mais baixo custo.

    Belo Monte será a terceira maior hidrelétrica do mundo. O projeto foi concebido aproveitando-se basicamente a área que o rio Xingu já inunda no período da cheia. Moradores de núcleos urbanos em Altamira que serão retirados vivem hoje em locais inadequados, sujeitos a riscos.

    Grandes empreendimentos de infraestrutura precisam atender no Brasil, há algum tempo, a exigências de compensação ambiental. E a essas exigências, obrigatórias por lei, quase sempre se soma uma série de outras, de âmbito local. Ainda que não tenham relação direta com o empreendimento e acabem onerando o investimento, os projetos passaram a embutir esse custo adicional no seu planejamento. Vale pagar o preço, porque a alternativa seria mais cara: não ter energia.

    A obra de Belo Monte poderá ser feita aproveitando-se todo o aprendizado que a engenharia acumulou nos últimos anos na construção de hidrelétricas na região amazônica, evitando-se erros e abreviando-se eventuais transtornos a localidades próximas.

    A energia que Belo Monte deve assegurar (4,5 mil megawatts, de uma potência total de 11,3 mil MW) pode viabilizar, na região, várias atividades dependentes de um fornecimento contínuo, e de fontes não distantes. Empreendimentos como esses é que sustentarão o ciclo de expansão previsto para a economia brasileira nos próximos anos.

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  4. Caro anônimo. Bom contraponto o seu. Ao contrário do que você pensa não somos xiitas. Quando começamos a falar sobre Belo Monte falamos que queríamos começar a debater o assunto e acima de tudo aprender e ai sim emitir opinião. Mande a referência ou o link do que você escreveu que publicamos na página principal do blog.
    Continue participando do debate. O blog agradece

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  5. Pôxa não é muito forte você anônimo chamar essa moçada de xiitas?Por que tanta raiva dessa turma?

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  6. Olha, a construção de hidrelétricas gigantes não é a única opção para garantir o crescimento. Há que se considerar as PCHs e a construção de hidrelétricas em outras localidades que não a região amazônica, como por exemplo Goiás.

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